domingo, 13 de março de 2011

Governo promete mais austeridade para poder negociar ajuda europeia

Medidas de austeridade adicionais apresentadas anteontem poderão constituir já as contrapartidas necessárias para uma assistência financeira externa.
 
O acordo dos países do euro para a flexibilização do seu fundo de socorro tem todas as condições para resolver o problema de financiamento de Portugal, com a vantagem adicional de afastar a temida presença do FMI.

As decisões de princípio tomadas na madrugada de ontem pelos líderes dos Dezassete países do euro autorizam o fundo de estabilidade (EFSF) a comprar dívida soberana no mercado primário (na emissão pelos governos), e reduzem as taxas de juro cobradas aos Estados assistidos.

Estas eram algumas das modalidades de flexibilização do EFSF defendidas por Portugal como condição para ponderar, eventualmente, pedir a sua activação de modo a baixar os seus custos de financiamento.

O governo recusou sempre qualquer assistência nos moldes dos programas de resgate como os que foram definidos para a Grécia em Maio, e Irlanda em Novembro. É por isso que tem vindo a resistir, há meses, às pressões de um número crescente dos seus pares para pedir a ajuda europeia em vez de continuar a financiar-se no mercado a taxas de juro cada vez mais altas, com o risco acrescido de ameaçar contagiar a Espanha. A nova flexibilização do EFSF responde, no essencial às objecções invocadas pelo primeiro ministro, José Sócrates.

Em concreto, os países em dificuldades poderão permanecer no mercado para o financiamento da dívida embora beneficiando, se necessário, de intervenções pontuais do fundo. Nesse cenário, será possível fixar uma taxa de juro a um nível considerado adequado às condições do país, a partir do qual o EFSF adquirirá as que não encontrarem comprador no mercado. Desta forma, será possível controlar o valor dos juros.

Tão ou mais importante - do ponto de vista do Governo - quanto esta flexibilização é o facto de as intervenções do EFSF no mercado primário não implicarem a presença obrigatória do FMI como acontece, por imposição da Alemanha, nos programas de resgate clássicos. Esta era porventura a maior reivindicação do governo devido à má imagem deixada pelo FMI em Portugal nos anos 1980, e cujo eventual regresso é visto por Sócrates como uma humilhação.

O texto das conclusões da cimeira lembra que as intervenções normais do EFSF são sempre complementadas pelo FMI. Em contrapartida, as que se referem ao modelo excepcional de compra de dívida no mercado primário, já só falam do EFSF. Essa questão foi discutida pelos líderes, apurou o PÚBLICO, o que significa que a omissão do FMI não é fortuita. Eventuais dúvidas a este respeito terão de ficar esclarecidas até ao acordo final sobre a reforma do EFSF na cimeira da UE de 24 e 25 de Março.

A terceira decisão dos Dezassete esperada por Portugal prende-se com a redução das taxas de juro cobradas aos países beneficiários do EFSF. O corte representa uma redução de 3 para 2 pontos percentuais na "penalização" que é acrescentada às taxas de mercado aplicadas aos empréstimos europeus para tornar a sua activação suficientemente dissuasiva.

Um eventual pedido de assistência de Portugal poderá estar já facilitado pelo facto de o governo ter anunciado na sexta-feira - o dia da cimeira do euro - uma série de novas medidas de austeridade suplementares, que apanharam aliás o país de surpresa.

Este anúncio permite concluir que as novas medidas poderão constituir o "programa com estrita condicionalidade" que, segundo as conclusões da cimeira, acompanharão a acção do EFSF no mercado primário da dívida. A favor desta tese joga o facto de o novo pacote do governo ter sido integralmente negociado com o Banco Central Europeu (BCE) e a Comissão Europeia, cuja missão só deixou, aliás, o país na Quinta-feira à noite (ver PÚBLICO de ontem).

Todos estes passos podem indiciar uma antecipação da negociação de um programa de ajustamento orçamental com as duas instituições que acompanha obrigatoriamente qualquer assistência do EFSF.

A Grécia, só fez a negociação depois de pedir a ajuda, e as imagens da delegação europeia e do FMI em Atenas para "impor" cortes draconianos de despesas, salários e benefícios sociais, chocaram e revoltaram o país. A Irlanda fez o contrário: o governo aprovou internamente um duro programa de austeridade antes de pedir a ajuda europeia, que foi considerado suficiente pelos responsáveis europeus quando negociaram a activação do EFSF. Por essa razão, Dublin não teve de acrescentar qualquer nova medida de contenção orçamental "imposta" pelo exterior.

O facto de as medidas terem sido largamente elogiadas pela Comissão, BCE e mesmo pelos líderes dos Dezassete permitirão a Sócrates argumentar que já antecipou a consolidação a título de contrapartida do EFSF. Se os outros países aceitarão ou não, é uma questão em aberto. "Tudo dependerá do momento em que a ajuda for pedida", salvaguarda um diplomata europeu. Ou seja, quanto melhor estiver a correr a consolidação orçamental, menores serão as contrapartidas pedidas. E vice-versa.
 

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