segunda-feira, 28 de março de 2011

Vasco Pulido Valente: - No tempo do Estado Novo

“O que sucedeu era inevitável. Apesar de um certo desenvolvimento entre 1950 e 1970, no "25 de Abril" Portugal era ainda um país muito pobre. Não falo de uma certa classe média urbana, que já ia comprando carro e fazendo, de quando em quando, uma ou outra viagem barata e curta. Falo da população rural e da gente que se começava a acumular à volta de Lisboa e do Porto ou emigrava ilegalmente para a Europa. Não tenho boas memórias desse tempo. A Universidade excedia com certeza em incompetência e servilismo o pior que havia no mundo. Na Faculdade de Direito, que não dispensava a gravata e uma cerimónia inútil e arcaica com os srs. professores, persistia o uso da sebenta (que se devia decorar). Na Faculdade de Letras (onde, por fim, me formei em Filosofia), quase não existiam professores no sentido substantivo da palavra e os que existiam vinham de Espanha ou da Igreja. Não se aprendia nada. O dinheiro não sobrava. Desde a escola que usei fatos virados do meu pai (que ficavam com as "casas", cerzidas, do lado errado). Os sapatos só se mudavam depois de muitas meias solas. Como, antes do nylon, as camisas, depois de muitos colarinhos de substituição e de uma dezena de punhos novos. Não se jantava fora e a disciplina doméstica impunha que se ficasse sob vigilância durante a tarde para, pelo menos, simular uma razoável "aplicação ao estudo" (a expressão é da época). Claro que nem toda a gente cumpria estes deveres. Mas quem os cumpria, ou arranjava maneira de fingir que os cumpria, estava reduzido a ler e, bastante mais tarde, a ver a horripilante televisão de Salazar e de Caetano. A sufocação da Ditadura explica em grande parte a prodigalidade e o desleixo da democracia. Portugal andava desesperado e faminto. Pior ainda, esse Portugal da guerra de África e da hipocrisia oficiosa deixara de ser compatível com a Europa - mesmo com a Espanha de Franco. Aqui não se vivia, só se vivia para lá de Badajoz ou, preferivelmente, dos Pirenéus. Não admira que no "25 de Abril" os portugueses pedissem tudo: a revolução e, passada a fantasia da revolução, um país moderno, com uns tostões no bolso, um Estado-providência (hoje "social") e uma economia em crescimento. Na imaginação comum, a "Europa" com certeza que pagaria. Alguma coisa pagou e, quando o que ela pagava não chegou para acalmar a nossa geral desconfiança e a nossa fome atávica, os governos entraram tranquilamente pelo caminho histórico do défice e da dívida, sem perceber que nos levavam à miséria do costume. Se calhar, o peso do voto não lhes permitia fazer mais nada."

In: Publico

Caros,

Realmente depois de ler artigos como este fico um bocado a pensar. Realmente, no período do Estado Novo não se vivia em abundância, havia muita fome, muita miséria escondidas.

Mas fico com a ideia de que o povo quis tudo de repente, e de facto quiseram ter um BMW em todas as garagens, casas de luxo, viagens, roupa de marca, playstations e muitas outras coisas. Coisas essas que os rendimentos do trabalho não permitiam. Mas como queriam ter, queriam mostrar aos outros povos da Europa que eram capazes de ter um padrão de vida similar, toca de recorrer ao crédito, obviamente... o endividamento disparou.

Mantivemos uma nível de vida artificial, que não é o nosso. Não temos produtividade suficiente para ter um BMW estacionado a porta de todas as casas, nem para sermos donos de todas as casas em que vivemos, nem para irmos todos 2x de ferias por ano... o dinheiro não da para isso.

Não podemos usar todos roupas de marca, nem ter bons telemóveis topo de gama. É isso que eu critico nesta chamada "Geração à rasca", querem tudo sem terem conquistado nada! A vida nem sempre é fácil... mas é assim que as coisas são... com muito trabalho e sacrifício.

Agora estamos a pagar a nossa loucura despesista, e vamos obrigar as gerações vindouras a pagar o surto de loucura, a mania das grandezas. Fizemos 10 estádios para o euro, que não conseguem pagar o seu investimento, fizemos auto-estradas por onde ninguém passa, destruímos a marinha mercante, temos ferrovia inútil que passa por lugares que não interessam e carência de ferrovia de mercadorias em bitola standard que nos ligue directamente a Irun-Hendaye.
Vai levar pelo menos 50 anos a colocar de novo Portugal no bom caminho, mas não é com esta classe politica que lá vamos... não senhor... é preciso gente seria, dedicada ao seu pais e sobretudo com sentido  de estado...

Cumprimentos cordiais

Luís Passos

1 comentário:

  1. Tanto o artigo de referência como o comentário que se lhe segue dão uma perspectiva muito discutível das origens das dificuldades actuais, que são muito diversas, mas não refere uma fundamental: o mundo mudou muito e hoje o Poder está no Dinheiro.
    Esse Poder conseguiu em cerca de 40 anos impor políticas neoconservadoras e ultraliberais que mudaram os mapas políticos e a face de muitos países desenvolvidos e aumentaram o fosso entre os mais ricos e os restantes elementos populacionais. A evaporação do bloco de Leste, o fenómeno da globalização, a deslocalização de actividades económicas, a imposição de guerras como a do Iraque com o objectivo de sacar petróleo são algumas facetas de uma forma de desenvolvimento que transversalmente tem produzido muita miséria e desemprego...
    Como corolário viveram-se anos de desregulamentação económica inimaginável que acabou por implodir face ao excesso de ganância e especulação internacional.
    A crise internacional resultante de todos estes factores levou Portugal à situação do momento, aliada a inconsistências e fragilidades politicas e culturais locais...
    Quanto aos políticos em Portugal, não são uma casta especial, são gente igual a tantos de nós, com as limitações, qualidades e defeitos de toda a gente. Há que mudar de mentalidades, sim, e o aperto do momento pode ajudar a acelerar essa tendência... Não precisamos de choramingar a desgraça do presente e do passado o resto da vida. Há é que encarar as dificuldades e superar a situação. O resto é perda de tempo e de energias...

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