quinta-feira, 31 de março de 2011

Renegociar dívida antes que seja inevitável pode ser solução

Uma das razões que justificaram a ajuda à Grécia, quando rebentou a crise da dívida soberana, foi tentar evitar a reestruturação da dívida.

Mas, agora, depois de a Grécia ter pedido ajuda, de a Irlanda lhe ter seguido os passos e de Portugal ameaçar fazer o mesmo, a renegociação da dívida pública, eventualmente não pagando a totalidade da dívida aos credores, está no centro do debate. Cada vez mais economistas alertam que a crise da zona euro não será resolvida sem recorrer a este expediente, que, até agora, parecia destinado a aplicar-se apenas a países emergentes (ver caixa).

O antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kenneth Rogoff, ou o antigo conselheiro da instituição, Barry Eichengreen (ver entrevista na página ao lado), têm defendido isso. Em Portugal, o PÚBLICO falou com economistas de vários quadrantes ideológicos e quase todos defendem que partir já para uma reestruturação da dívida, de preferência concertada a nível europeu, evitará um cenário pior de default (incumprimento) no futuro.

"Com juros tão elevados como os actuais e com a perspectiva de recessão na economia, não há alternativa à reestruturação da dívida", defende José Reis, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. João Duque, presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) partilha da mesma opinião, defendendo que, "quanto mais depressa agirmos, mais margem de manobra teremos para negociar as condições". Trata-se de evitar, não um default agora, mas um default futuro, conclui. João César das Neves repete o aviso: "Quanto mais tempo passar, maior será o corte da dívida e maiores as perdas dos investidores".

Uma renegociação da dívida é uma espécie de default negociado, em que os Estados acordam com os investidores um rescalonamento da dívida (alongando, por exemplo, a maturidade dos títulos e reduzindo as taxas de juro). Se necessário, há um haircut (corte), ou seja, o Estado só irá pagar uma parte da dívida que lhes foi emprestada. Além disso, enquanto renegoceiam a dívida, os países podem suspender as amortizações e o pagamento dos juros.

O principal risco num processo de reestruturação é o seu impacto nos mercados e, particularmente, no sistema bancário. Na Europa, a Alemanha e França opuseram-se, desde o início da crise, a uma reestruturação, pois os seus bancos estão bastante expostos aos títulos dos países periféricos. Os novos testes de stress pedem, aliás, que os bancos que detenham dívida pública portuguesa assumam uma perda de 19,8% no valor dos títulos a dez anos que detêm, o valor mais alto entre todos os países da União Europeia.

Ciente destes riscos, o Governo irlandês começou agora a usar a ameaça de incumprimento parcial, não só para pressionar uma redução dos juros do empréstimo europeu, mas também para conseguir mais ajudas à banca."Pelo caminho que os planos de austeridade estão a seguir, a reestruturação da dívida coloca-se inevitavelmente, não só na Grécia e na Irlanda, mas, eventualmente, em Espanha (dependendo da evolução da banca) e em Portugal (dependendo da evolução dos mercados)", considera José Castro Caldas, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Para o economista, é uma questão de opção: "Portugal pode reestruturar a dívida em extremo desespero, depois de vários anos de austeridade, ou fazê-lo de forma pró-activa". Além disso, salienta, um avanço para a renegociação da dívida poderia levar a alterações dos tratados europeus, que permitissem, por exemplo, que o Banco Central Europeu (BCE) passasse a comprar títulos dos países em risco no mercado primário.

Mas nem todos partilham desta opinião. A economista-chefe do BPI, Cristina Casalinho, acha que, no curto prazo, a reestruturação da dívida não se coloca. "Só se faz isso em casos-limite, como última opção, devido ao impacto significativo que pode ter no sistema bancário, nomeadamente de países como a Alemanha, a França ou a Espanha, que têm nos seus balanços muita dívida portuguesa, grega e irlandesa", salienta. A isso junta-se o risco de ter taxas de juro ainda mais elevadas. "A História mostra que, na sequência de uma reestruturação, Portugal teria de pagar, durante mais de uma década, juros acima dos que pagava anteriormente", conclui.

A possibilidade de renegociação da dívida não está, contudo, fora dos planos europeus. Na última cimeira, os líderes europeus parecem ter deixado a porta aberta a que a reestruturação possa ser um pré-requisito para aceder ao mecanismo de ajuda europeu, em vigor a partir de 2013.

Ana Rita Faria In: Publico

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