sexta-feira, 18 de março de 2011

Análise da execução Orçamental - Janeiro e Fevereiro

Agora que os números da execução orçamental de Fevereiro já estão disponíveis, podemos finalmente tentar perceber o que é propaganda e o que é realidade nas nossas finanças públicas. Ora, há boas e más notícias em relação à execução orçamental. A boa notícia é que não só o saldo global do subsector Estado melhorou, mas também as despesas finalmente começaram a baixar. As más notícias é que as coisas não ficam por aqui. O problema é que estas melhorias só são reais em relação às péssimas execuções orçamentais de 2009 e de 2010 e não aos anos anteriores. Mais: a descida das despesas deveu-se inteiramente ao corte dos salários dos funcionários públicos, bem como a uma surpreendente baixa dos juros. Sim, leu bem. Numa altura em que o Estado se financia a taxas de juros recordes, o nosso governo alcançou a proeza de conseguir fazer baixar os juros da execução orçamental. Simplesmente extraordinário. No entanto, e como veremos mais à frente, persistem os sintomas de que o despesismo do Estado continua de boa saúde, pois não só as aquisições de bens e serviços aumentaram de forma significativa, mas também as receitas fiscais são ainda o principal motivo para a melhoria da consolidação orçamental.

Dito isto, vejamos então com mais pormenor os números agora publicados sobre os primeiros dois meses do ano, comparando-os com as execuções orçamentais de Janeiro e de Fevereiro nos últimos 5 anos. Comecemos com as receitas efectivas (que são iguais às receitas correntes mais as receitas de capital). Como podemos ver no Gráfico 1, as receitas efectivas nos meses de Janeiro e de Fevereiro melhoraram substancialmente em 2011 relativamente a 2010 e até 2009. Todavia, se recuarmos mais no tempo,  facilmente percebemos que as receitas fiscais ainda estão abaixo das colectas obtidas quer em 2007, quer em 2008. Por outras palavras, nem a subida do IVA, nem o terrível agravamento da carga fiscal em 3 pacotes de austeridade, foram suficientes para fazer recuperar as receitas fiscais para os níveis de 2007 e 2008. 
 
Receita Efectiva - Janeiro e Fevereiro
 
Se atentarmos agora para a despesa efectiva, podemos igualmente verificar que, sem dúvida, houve uma descida de 257,6 milhões de euros em relação a 2010. Porém, mais uma vez, e como podemos ver no gráfico 2, a despesa efectiva dos dois primeiros meses de 2011 é substancialmente superior a 2008, a 2007 e a 2006. Ou seja, só houve  uma redução de despesa se nos compararmos às terríveis execuções orçamentais de 2009 e de 2010. Contudo, esta aparente descida da despesa não foi concretizada relativamente aos anos anteriores. Isto apesar de um corte sem precedentes dos salários nominais dos funcionários públicos, bem como 3 pacotes de austeridade. Para mal dos nossos pecados, as despesas do nosso Estado permanecem a níveis historicamente muito elevados.
 
Despesa Efectiva em Janeiro e Fevereiro
E já que o governo andou semanas a propagar a descida  "histórica" da despesa e do saldo global do subsector Estado, vale a pena ainda observarmos a evolução do saldo global deste ano e nos anos precedentes. Como podemos ver no gráfico 3, a mensagem é exactamente a mesma: apesar da propagada descida de 841 milhões de euros, a verdade é que o saldo global em 2011 é o terceiro pior desde 2006 (ou o terceiro melhor, se formos generosos com o governo). No entanto, as melhorias só são "marcantes", porque o governo está a comparar números mais-que-péssimos (em 2009 e 2010) com números maus. Porquê maus? Porque, como sabemos, este "magnífico" saldo global foi alcançado à custa do referido corte de salários e com agravamentos fiscais absolutamente brutais. Porém, nem mesmo assim o saldo global do Estado melhorou em relação a 2008, a 2007 ou a 2006. 
 
Saldo Global do Sub-sector Estado em Janeiro e Fevereiro
Porém, as surpresas não acabam aí. Como já mencionei, porventura o facto mais notável desta execução orçamental tem a ver com a evolução dos juros. Numa altura em que o Estado se financia a taxas de juros recordes (desde que entrámos no euro), todos esperávamos que as despesas com os juros aumentassem. Mas não, por um milagre qualquer, os juros pagos pelo Estado baixaram. Assim, enquanto nos dois primeiros meses do ano de 2010 as despesas com juros atingiram 155,6 milhões de euros, no período homólogo de 2011 os juros caíram para 150,3 milhões de euros, uma variação homóloga de -3,4%. No entanto, este valor é cerca de 83 milhões de euros menor do que em 2009, 186 milhões de euros menor do que em 2008, e 425 milhões de euros inferior aos valores referentes a 2006. Não surpreende que tal tenha acontecido, pois a execução orçamental desta rubrica é de apenas 2,4%, substancialmente abaixo da média da execução orçamental das restantes rubricas de despesas e de receitas, que têm médias de execução entre os 15% e os 20%. Por isso, urge perguntar: o que é que terá acontecido aos juros? Porquê uma execução orçamental tão baixa? E, mais importante, quando e como é que vamos orçamentar as subidas dos juros do nosso Estado? Seria bom se o ministro das Finanças nos esclarecesse estas dúvidas.
 
Juros e outros Encargos do Sub-sector Estado em Janeiro e Fevereiro
Refira-se ainda que a execução orçamental das despesas de capital (8,6%) também é significativamente inferior à média das restantes rubricas. Por outras palavras, inflaciona-se a execução orçamental das receitas, e deflaciona-se o valor de algumas importantes despesas que poderiam fazer facilmente derrapar a propagada descida da receita.
Finalmente, vale ainda a pena olhar para a evolução das aquisições dos bens e serviços do Estado. Como é sabido, os chamados consumos intermédios têm crescido muito nos últimos anos. Por isso, a cortar o despesismo do nosso Estado, não há lugar melhor por onde começar do que na aquisição de bens e serviços. Neste sentido, poderíamos estar tentados a pensar que a austeridade já tinha afectado o comportamento do nosso Estado. Se pensamos assim, estamos muito enganados. As aquisições de bens e serviços aumentaram nada mais nada menos do que 49%. Sim, leu bem. Quarenta e nove por cento. Quem é que disse que o nosso Estado estava em crise? A austeridade é só para os funcionários públicos, para os contribuintes, e (agora) para os pensionistas. Porém, a austeridade não chega ao nosso Estado, que continua a comportar-se como se a crise não existisse, ou como se o Estado estivesse acima das restrições que são impostas aos portugueses. Lamentável, no mínimo.
 
Aquisição de bens e serviços - Janeiro e Fevereiro
Moral da história: é verdade que a despesa caiu em relação a 2010. E ainda bem. Porém, não só as despesas públicas permanecem bem acima dos valores de 2008 e de 2007, como também há todo um número de indicadores que sugerem que ainda estamos bem longe de ter as finanças públicas controladas.
Aliás, perante estes números, e sabendo que os técnicos da missão da União Europeia e do BCE decerto não se deixam enganar pela publicidade enganosa e pelos sucessivos malabarismos contabilísticos deste governo, começamos agora a perceber melhor por que razão os nossos parceiros europeus forçaram o executivo português a apresentar novas medidas de austeridade num mês que, supostamente e de acordo com o governo, tinha sido de uma execução orçamental imaculada. Enfim, uma vergonha. Uma verdadeira vergonha. E o problema é que as irresponsabilidades e as incúrias deste governo ainda vão ter repercussões muito graves. Depois todos estes truques e de toda a propaganda descarada, vamos andar anos (sim, anos) a tentar recuperar a credibilidade do país e das nossas finanças públicas. Uma tarefa que, face às nossas enormes dívidas e às manipulações contabilísticas levadas a cabo nos últimos anos, será verdadeiramente herculeana.
 
IN: Desmistos

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