terça-feira, 2 de novembro de 2010

Muita contenção e 48 milhões de euros para resolver problemas da Câmara de Faro

Macário Correia foi o convidado de mais um programa radiofónico «Impressões», dinamizado em conjunto pelo «barlavento» e pela Rádio Universitária do Algarve RUA FM. 



As dificuldades financeiras da autarquia, o Plano de Reequilíbrio Financeiro recentemente aprovado, a redução de pessoal, as portagens na Via do Infante e o Orçamento de Estado para 2011 são alguns dos assuntos sobre os quais o presidente da Câmara de Faro se pronunciou.

Impressões- Tomou posse como presidente da Câmara de Faro há praticamente um ano. Que balanço que faz deste período?

Macário Correia- Estou satisfeito e tenho trabalhado noite e dia com uma equipa que constituí. Temos resolvido problemas do concelho. Obviamente que não se resolve tudo num ano, nem daqui a quatro estarão resolvidos.
Mas o nosso sentido de dedicação e o horário alargado que praticamos é reconhecido e julgo que é bem vivido.
Faro tem falta de infraestruturas e é uma cidade que carece de planeamento e organização. Esta é uma autarquia que criou uma crise dentro de si própria antes da crise geral e agora temos duas para resolver.
 
I- A Câmara de Faro trabalhava mal?

M.C.- A Câmara tinha um problema interno de organização e tem outro grave de ordem financeira. No que toca à organização, o problema prende-se com o facto de a Câmara estar distribuída por muitos edifícios, com dispersão de funcionários e documentos. Isto dificulta a relação funcional.
Depois, os sistemas de trabalho em termos de organização, metodologia, regulamentos, de suportes informáticos, equipamentos e material de trabalho estão hoje muito melhor do que estavam há um ano, mas ainda muito longe daquilo que nós julgamos ser necessário. A organização interna, em termos de eficácia, deixava muito a desejar. Hoje, penso que do ponto de vista genérico, ganhámos 20 por cento de produtividade.
Ou seja, com menos 20 por cento das pessoas, fazemos o mesmo trabalho. O que significa que, se esta decisão que eu tomei tivesse sido tomada antes, a Câmara hoje teria menos alguns milhões de euros de passivo.
Quando nós fazemos a mesma coisa com menos 200 pessoas, é a prova que havia subutilização dos recursos humanos e despesismo.

I- Estas mudanças foram bem aceites pelos funcionários da autarquia?

M.C.- Em 90 por cento dos casos foram bem assumidas e compreendidas. Há sempre um ou outro caso que não é fácil de resolver. E eu explico porquê: como é que reduzimos o número de pessoas, sem tratar mal ninguém?
A autarquia tinha contratos de prestação de serviços com empresas de limpeza ou vigilância, às quais não pagava há muito tempo, em alguns casos há mais de dois anos. Não fazia sentido manter esta dívida a correr.
Nos casos da vigilância e limpeza, colocámos os funcionários da Câmara que têm essa categoria de assistentes operacionais a fazer o trabalho e, hoje em dia, em vários edifícios da Câmara, estas funções estão a ser asseguradas por funcionários da autarquia. Houve alguns casos em que a renovação dos contratos não era legalmente possível, mesmo que eu quisesse.
Também houve uma dúzia de aposentações e outros que pediram transferência para outras instituições. Neste conjunto, temos menos 130 empregos diretos e menos umas dezenas de indiretos. Poupei dois milhões de euros para continuar a fazer as mesmas tarefas e funções.
Tenho que dizer que há algumas dezenas de pessoas que estão em funções, mas fora do serviço, em alguns casos com atestados médicos leais e honestos. Mas há casos de pessoas que têm atestados cuja doença só eles é que sabem.
E tenho casos concretos de pessoas que, quando é dito que têm de mudar de serviço, no dia seguinte apresentam baixa médica.
E dizem-me, de resto, que apresentam atestado se os tentar mudar de serviço. Houve mesmo uma pessoa que me disse o dia em que ia adoecer e quando tempo estaria doente. 
 
I- Na passada semana, foi aprovado em Reunião de Câmara o Plano de Reequilíbrio Financeiro da autarquia. Já é possível dizer com certeza qual a dívida global?
 
M.C.- Apuradas as contas, hoje temos 31 milhões de euros em faturação vencida e não paga, desde 2001 para cá. Também temos um conjunto de compromissos de natureza pública, que a Câmara tem que honrar, que não estão saldados.
Devemos, por exemplo, três milhões de euros à Sociedade Polis, onde não foram sequer subscritas as ações. Também devemos às associações de solidariedade social, as chamadas IPSS, ao abrigo dos programas Pares e POPH, cerca de dois milhões de euros.
Depois há um conjunto de situações ligadas às empresas municipais. Há um desequilíbrio nessas empresas de cerca de 5,5 milhões de euros. No conjunto, chegamos a uma deficiência de liquidez na ordem dos 48 milhões de euros, neste momento.
A autarquia, quando tomámos posse, tinha dívidas a pagar desde o ano 2000 a 2009. Dez anos estavam com faturação vencida.
Havia muita documentação que não estava sequer organizada, muitas faturas que não estavam associadas a nenhum procedimento concursal e outras, no valor de alguns milhões de euros, nem sequer estavam cabimentadas.

I- E o que é que o plano prevê, para fazer face à situação?

M.C.- Com o Plano de Reequilíbrio, vamos tentar obter um financiamento da banca para pagar todos estes compromissos e traduzir estas faturas, que são milhares, num único crédito.
É transformar uma dívida de curto prazo noutra a 20 anos, com juros que nesta altura tendem a ser elevados.
Para isso, ainda temos de obter autorização dos órgãos internos da autarquia, a aprovação da Direção Geral das Autarquias e do Tesouro, ver isso publicado em Diário da República e depois ter proposta de um banco ou de um conjunto de bancos e obter um visto do Tribunal de Contas.
Estes procedimentos levarão alguns meses, até que, desejavelmente, tenhamos o empréstimo bancário.
Ao mesmo tempo, vamos levar a cabo um conjunto de medidas de contenção interna, ao nível de despesas de pessoal, funcionamento, aquisição de bens e serviços, tudo o que é despesa não geradora de investimento, vamos conter e reduzir para ganhar folga entre a receita e a despesa.
Na casa de cada um de nós, quando temos dívidas para pagar, temos de ter ao final do mês ou do ano, mais receita que despesa, para poder poupar algum no futuro, para começar a pagar, de forma credível, o passado.
E isto vai demorar 20 anos a pagar na plenitude.
 
I- O que vai ser feito, exatamente, para equilibrar a balança?

M.C.- Além do que já fizemos, estamos a cortar em todos os outros aspetos de funcionamento da máquina. Vamos reduzir ainda mais as despesas no pessoal. Há pessoas que se reformam que nós não vamos repor e outras cujos contratos terminam e não podem ser renovados. Vamos tentar, com os que cá estão, cobrir essas lacunas.
Também vamos tentar fazer poupança nos contratos de fornecimento de serviços de água, eletricidade e gás. Ao mesmo tempo, estamos a fazer um esforço para ter maior eficiência no uso do material, para poder poupar nisso tudo.
Não há renovação de frotas, a viatura que eu ando fez 80 mil quilómetros num ano, tem 400 mil e esperemos que aguente muito mais tempo, porque não há dinheiro para pagar mais nenhuma.
Queremos fazer muitas coisas, como creches, escolas, jardins e outros equipamentos, mas a verdade é que neste momento estamos a pagar dívidas.
O Orçamento de 2011 tem 90 por cento do seu conteúdo já comprometido com faturas vencidas.
Só dez por cento é de investimento novo e mesmo assim já comprometido com aquilo que consideramos essencial, que é proteger a entrada de fundos europeus em pequenos investimentos, nomeadamente escolas. Ao nível da receita, é complicado aumentá-las neste momento.
Esperemos que a crise se atenue, para que comecem a ser de novo levantados os alvarás e licenças pendentes.
Também há a atividade da autarquia enquanto agente económico, seja na venda de terrenos e edifícios ou na prestação de serviços, entre outros.
No campo imobiliário, colocámos à venda algum património este ano e só conseguimos vender um terreno e um edifício. Os outros concursos ficaram com as hastas públicas desertas.
 
I- Como avalia a proposta de Orçamento de Estado para 2011 e a redução de verbas para Faro?

M.C.- O Estado vai-nos dar sete milhões de euros em 2011, menos do que deu nos anos anteriores. Já houve um corte em Junho passado e agora há outro no Orçamento de Estado.
O Governo, nos últimos anos, não tem sido nada generoso em relação ao Algarve, naquilo que seria legítimo.
O distrito de Faro, segundo a Direção de Finanças, é o quarto entre os dezoito do país ao nível da cobrança de receita. Produzimos muito dinheiro para os cofres de Lisboa e em troca recebemos tostões. Se fizer uma retrospetiva do PIDDAC, há uma rampa decrescente.
Temos hoje um valor semelhante ao que tínhamos há dez ou doze anos. E muitas das coisas inscritas não são realizáveis.
Há o caso de um Porto de Pesca inscrito há 15 anos, sem nunca se ter feito nada de nada. Ou seja, aquele milhão já contou quinze vezes.
No caso de Faro, no OE 2011, há uns tostões para o projeto das novas instalações da Policia Judiciária e uma referência ao edifício de Medicina da Universidade do Algarve, com mais expressão.
Mas o resto quase não se vê. Tirando a Variante Norte, não há qualquer obra do Estado em curso no concelho.

I- A AMAL veio recentemente a público admitir a cobrança de portagens na Via do Infante, depois de concluída a requalificação da EN125. Mas, a título individual e por vezes mandatados pelas Assembleias Municipais, muitos presidentes de Câmara mostraram-se incondicionalmente contra a medida. Como explica esta aparente contradição?

M.C.- Nós, ao longo dos últimos seis anos, tivemos um discurso que teve uma triste coerência. Houve sempre uma matriz de argumentação que dizia que o Algarve não tinha condições para a introdução de portagens porque não havia alternativa.
Foi um discurso que veio ao longo do tempo. Durante seis anos, não houve qualquer sinal de obra de requalificação da EN125. Mas, pela primeira vez, começou a obra.
Por isso, mantivemos o mesmo discurso: agora que há obra visível, continua a não haver razão lógica para a colocação de portagens, salvo quando estiver concluída a obra.
Todavia, nós solicitámos uma entrevista ao primeiro-ministro, que me mandou uma carta a dizer que não podia, mas que o ministro das Obras Públicas nos iria receber. Depois o ministro disse que também não podia, que tinha de ser o secretário de Estado.
É provável que ainda vamos receber uma carta a dizer que vamos ser recebidos pelo chefe dos contínuos. A dignidade dos presidentes das Câmaras do Algarve não merece humilhações.
Ou o Governo quer falar connosco ou não quer. Se quer, fala com dignidade. Agora não manda recados em cascata de uns para os outros desta maneira que não é nobre. 
 
2 de Novembro de 2010 | 09:30
hugo rodrigues/pedro duarte

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