Há uns anos atrás, Cavaco Silva escreveu um influente artigo de opinião, onde o crescimento explosivo da despesa pública foi apelidado como um "monstro". Sabendo que a situação actual se deve exactamente ao facto deste "monstro" estar fora de controlo (bem como devido ao nosso elevado endividamento externo), é importante perceber as origens do elevado crescimento da despesa pública nacional. Neste sentido, vale a pena perguntar: quando é que o monstro "apareceu"? Será que foi nos tempos dos governos de António Guterres? Nos governos actuais? Ou será que foi anteriormente? Para podermos responder adequadamente a estas questões, vale a pena olharmos para o passado e vermos então a evolução da despesa pública nacional.
Assim, num trabalho recente, eu e o João Jalles, da Universidade de Cambridge, tentámos perceber melhor as grandes tendências do crescimento económico nacional nas últimas décadas e calculámos uma série de indicadores económicos, entre os quais se encontra a despesa pública.
Os resultados em relação ao consumo público e o PIB nacional são bastante elucidativos sobre as origens do “monstro”. Neste sentido, o gráfico abaixo mostra o crescimento de tendência (isto é, sem flutuações) do consumo público e do PIB nacional nos últimos 100 anos. Como podemos ver, e contrariamente ao que às vezes se apregoa, o crescimento do “monstro” começou durante o regime Salazarista, principalmente a partir dos anos 1950, quando os gastos públicos aumentaram tremendamente. Assim, a ideia de que o regime Salazarista controlou as despesas do Estado é mais um mito do que a realidade. A verdade é que a chamada “ditadura” financeira foi levada a cabo principalmente nas primeiras 3 décadas do regime salazarista, mas foi posteriormente relaxada nas décadas seguintes. Assim, a partir dos anos 50, e seguindo as tendências de outros países, as despesas estatais aumentaram muito rapidamente.
Gráfico _ Crescimento de tendência do consumo público em Portugal, 1910-2009O crescimento do Estado não só continuou na década seguinte, como foi até mais impulsionado com o advento das guerra coloniais. Quando o PIB abrandou a partir da década de 1970, mas os gastos públicos mantiveram um elevado crescimento, estavam criadas as condições para um crescimento exponencial do nosso Estado. Como podemos ver, o pico do crescimento dos gastos públicos ocorreu em meados dos anos 1970, quando os governos democráticos mantiveram a rápida expansão do Estado, investindo em Educação, na Saúde e na Segurança Social. É natural que tal tenha acontecido, pois, como José da Silva Lopes argumenta num excelente artigo editado no volume “História Económica de Portugal”, editado por Pedro Lains e Álvaro Ferreira da Silva, as despesas públicas nacionais nessas áreas eram muito inferiores à média dos outros países no mundo ocidental.
E foi assim que nessa década, as despesas públicas aumentaram 9,5% ao ano, apesar de o crescimento da economia ter abrandado para os 1,5% ao ano.
É verdade que desde então o ritmo de crescimento do consumo público baixou de ritmo, mas, mesmo assim, permaneceu vários pontos percentuais acima da taxa de crescimento da economia nacional. Com efeito, é perfeitamente patente que, nos últimos 60 anos, o crescimento dos gastos do Estado tem sido muitíssimo mais acentuado do que o crescimento do produto nacional (linha picotada).
Vale igualmente a pena realçar que o declínio da taxa de crescimento dos gastos públicos foi travado no final dos anos 90, quando, durante o crescimento do Estado foi mais uma vez impulsionado pelos governos de António Guterres, quando o crescimento anual das despesas públicas foi muito elevado. A partir dessa altura, a taxa de crescimento de tendência do consumo público tem permanecido praticamente inalterada, e nenhum dos governos da última década conseguiu travar o despesismo do Estado. Os gastos públicos continuaram a crescer a ritmos mais elevados do que o PIB nacional, aumentando inexoravelmente o peso do Estado na economia. Como a economia estagnou na última década, estavam criadas as condições para que o "monstro" ficasse fora de controlo, contribuindo para a lamentável situação actual.
In: Demistos
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