terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Tudo (quase) na mesma

Por Carlos Alberto Amorim no JN


1 Portugal vai enfrentar a pior parte da crise com o mesmo presidente da República (PR) e o mesmo Governo que já estavam no poder quando aqui ancorou a vertente internacional dessa mesma crise que apenas veio agravar os apuros económicos e financeiros que por cá andavam há muito. Cavaco Silva cumpriu o objectivo a que devotou todas as suas energias e pelo qual omitiu grande parte dos seus deveres como PR no último ano e meio. Não teve adversários à altura. Foi ajudado pelo Governo quando foi preciso. E todos os agentes políticos estão cientes de que nada mudará, nem para melhor nem para pior, neste país.
Desenganem-se aqueles que julgam que o PS sofreu uma derrota - nada mais falso! Sócrates temperou os resultados de ontem com talento e sabedoria políticas, pois uma vitória de Alegre seria o pior desfecho para os seus interesses.
Pelo contrário, Passos Coelho, intencional e perfidamente minimizado como o "presidente da Assembleia Municipal de Vila Real", pode começar a sentir a oposição interna que tem andado pacata: ontem, na RTP, Rui Rio não o conseguiu esconder...
2 . Cerca de metade dos portugueses (nos quais me incluo) decidiram que não valia a pena votar. Excluindo os referendos, terá sido a eleição nacional com a participação mais fraca desde que a democracia foi reinstalada com o 25 de Abril de 1974. Há dez anos, na reeleição de Jorge Sampaio, a abstenção teve níveis semelhantes mas os cadernos eleitorais de então detinham um erro de perto de 8% em relação aos votantes reais - ao contrário de ontem, onde a votação dispunha de cadernos eleitorais "limpos", com um desacerto que não deveria ultrapassar o nível de 1,5%. O que reforça a conclusão de que os portugueses se distanciaram do modo de fazer política em Portugal. Querer fazer análise política enjeitando ou mesmo aperaltando este facto notório constitui um erro absurdo. Do mesmo modo, insistir no reforço da "pedagogia democrática" visando alumiar o pretenso negrume obtuso das consciências dos abstencionistas, como ontem à noite se ouviu em quase toda a Comunicação Social, é de um paternalismo insuportavelmente inepto.
Obviamente que não se deve forçar a lógica ao ponto de colocar todos os abstencionistas no mesmo patamar - convém separar aqueles que não votaram por puro desinteresse dos muitos outros, como eu, que se abstiveram pela enorme desilusão que o funcionamento do sistema político lhes instiga. Estes últimos, desmotivaram-se pela fraquíssima qualidade dos candidatos e, sobretudo, estão convictos de que qualquer resultado de estas Presidenciais - autênticas eleições de segunda categoria - é absolutamente inócuo, quer para a situação nacional quer para o normal desenrolar das suas vidas.
3 . O Cartão do Cidadão foi uma reforma ousada e (muito) cara. Visava a atenuação do flagelo da burocracia e a consequente simplificação da vida dos cidadãos. Já nos dois actos eleitorais de 2009 se percebeu que o novo sistema levantava problemas: eleitores deslocados das suas mesas de voto de sempre, alguns, até, da freguesia ou do concelho onde sempre habitaram. Supunha-se que essas más experiências tivessem sido corrigidas ao mesmo tempo que se fez a "limpeza" dos cadernos eleitorais. Mas tal não aconteceu. O sistema parece ter aluído nestas eleições, perturbando as intenções de muitos eleitores que se viram obrigados a ir para casa sem votar, atarantados, face à barafunda instalada. Ouvi o director-Geral da Administração Interna desculpar-se com os "novos eleitores" - mas bastava passar alguns minutos a ver qualquer canal de notícias para se perceber que a confusão atacava os novos e os velhos eleitores indiscriminadamente. Esta desordem administrativa é uma vergonha (mais uma!) que Portugal está hoje a sofrer na Imprensa internacional. Em qualquer país normal, os responsáveis por gerarem um sistema que reincide em impedir os eleitores de exercerem o seu direito de voto seriam imediatamente demitidos - e o primeiro a sair deveria ser o próprio ministro. Mas somos o que somos e acredito que dificilmente existirá um mero pedido de desculpas...

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