terça-feira, 4 de janeiro de 2011

10 milhões não se deixarão ir ao fundo

A entrevista com Henrique Medina Carreira foi marcada no pressuposto de que se falaria essencialmente dos aspetos positivos do país. O ex-ministro das Finanças aceitou, escudou-se nos números para rebater a fama de pessimista e disse que Portugal tem solução.

 

Para Medina Carreira, falta-nos, no entanto, "aceitar e compreender que não construímos uma sociedade mais realizada, mais eficiente e mais agradável de nos integrarmos sem que as pessoas tenham esta noção: aquele sujeito que ali vai é gente como eu".

Chamam-lhe pessimista. Isso não o incomoda?
Não ligo a ignorantes (desenha um gráfico). Se olharmos para o horizonte de 1960 a 2000, vemos uma economia sempre a cair e um Estado sempre a gastar mais... Era fácil perceber ao que iríamos chegar.
Confirmaram-se os seus alertas.
Preferia que não, mas as minhas previsões não foram inventadas. Íamos chegar ao ponto em que a situação iria ser insustentável. Só não sabia quando. Foi em 2008, poderia ter sido adiado para 2012, mas esta crise teve um efeito de acelerador. Isto só não era visível para os otimistas que andam por aí a perturbar o país. Costumo dizer para porem uma dona de casa no Governo porque teria muito mais senso.
Há solução?
Claro! O problema não é a solução. O problema é o estado em que vamos ter de viver até que Portugal se recomponha. Não acredito que 10 milhões se deixem ir ao fundo de braços cruzados. Quero acreditar que, pela primeira vez, em democracia, iremos ser capazes de ter contas públicas equilibradas. Só no Estado Novo é que Portugal deixou de dever muito dinheiro ao estrangeiro. É perturbante, mas os números não enganam. Nós hoje devemos ao estrangeiro, em termos relativos, mais do que em 1850, quando o Fontes Pereira de Melo fez as grandes obras públicas...
Qual seria o seu plano?
Em primeiro lugar, as pessoas com mais responsabilidades, primeiro-ministro ou Presidente da República, deviam ir à televisão explicar como é que chegámos aqui. Há 25 anos entrámos na comunidade europeia com a promessa do desenvolvimento do país, veio a globalização, perdemos o escudo e agora estamos de cócoras, a mendigar empréstimos. Entrámos num espaço livre de comércio e nunca nos preparámos para exportar... Por isso, andamos, agora, a pedir emprestados ¤50 milhões por dia.
Acredita que para sairmos do charco há que conquistar a confiança da sociedade.
Hoje, é a mentira que impera. Os políticos dizem uma coisa em Bruxelas, outra aqui. Num momento não se elevam impostos e, no outro, já se aumentam. Este é o nosso fado. A classe dirigente põe-se a cavalo na sociedade para tratar das suas vidas e este pano de fundo não muda no plano empresarial.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) deveria intervir em Portugal?
Andamos a mendigar ajuda em Timor, no Brasil, na China... Sim, acho preferível que venha o FMI, não é porque o FMI venha consertar Portugal, mas vigiaria de perto a execução orçamental. O Governo devia propor à Europa e ao FMI um programa de financiamento a quatro ou seis anos. Se continuarmos, todos os dias, a contar euros nas caixas dos bancos não vamos ter projeto de vida económica. Quem é que virá do estrangeiro investir num país onde não sabe se o Governo tem capacidade ou não para pagar as suas dívidas? Precisamos de uma tranquilidade financeira razoável.
Reconhece na sociedade portuguesa capacidade para 'dar a volta por cima' em momentos difíceis como este?
Não é por culpa dos portugueses em geral, enquanto povo, que Portugal chegou ao estado em que está. Trabalhei numa metalúrgica, no Barreiro e, por várias vezes, testemunhei o esforço, a dedicação, a capacidade para inventar uma solução para um problema (surgido fora das previsões) por parte dos operários. Davam tudo de si na fábrica porque se sentiam bem tratados e valorizados. Eram tratados como gente.
Além dessa experiência, identifica outros bons exemplos?
A forma como lidámos com a vinda das mais de 600 mil pessoas que perderam tudo em África. Só um povo muito capaz é que podia registar um aumento súbito de 6% da população sem grandes sobressaltos. Em dois, três anos, o problema estava ultrapassado. Para mim, foi o maior feito da sociedade portuguesa após o 25 de abril.
Os portugueses têm capacidade de união?
Sim, união e integração no objetivo que se pretende. Mas tem que lhes ser explicado o objetivo, como se atinge e quais os problemas que podem surgir.
Identifica bons exemplos de empresas portuguesas?
Tenho dificuldade porque hoje as boas empresas são monopolistas ou oligopolistas. Se eu vendesse gasolina seria um bom gestor porque era eu quem fazia o preço. Nas chamadas telefónicas passa-se o mesmo... Nestas empresas há, de certeza, pessoas que gerem com muita capacidade, mas estão em sectores que não competem com ninguém. É uma gente especial que eu preferia que estivesse na CP, Carris ou nos Transportes Coletivos do Porto, nas empresas difíceis.
E no Estado?
A máquina fiscal hoje é excelente, reconheço o mérito do Paulo Macedo (ex-diretor-geral dos Impostos). Não há serviço público igual e não deve haver paralelo a nível europeu. O Serviço Nacional de Saúde também é bom, o problema é que não há um sistema que salvaguarde as urgências hospitalares apenas para os casos graves. Estamos a manter um monstro para tratar de vulgaridades.
E no mundo da política, identifica pessoas com valor?
Não o posso fazer porque não conseguiria indicar todas aquelas que desprezo, nem todas as que prezo. Indico-lhe uma que desapareceu recentemente, Ernâni Lopes, um grande homem ao nível técnico, profissional e moral, um símbolo de seriedade e de verdade. Outro, Silva Lopes, um homem excecional.
Um político que fale a verdade pode ganhar eleições?
Os nossos políticos acham que não. Eu penso exatamente o contrário. Temos de ter eleições com base no maior rigor informativo possível. Quem quiser ganhar as próximas eleições e governar devia apresentar as caras de cinco ministérios-chave, entre os quais as Finanças, Educação e Justiça. Defendo algo deste género: "O nosso programa são estes cinco sujeitos de vida limpa, com profissões, pessoas em que se pode acreditar e que se comprometem a atacar os nossos dois grandes males: o financeiro e o económico".
Que conselhos daria aos jovens que estão a entrar no mercado de trabalho agora e que acreditam no país?
Ninguém pode hoje em dia prever o que será o país daqui a dez anos. Quando tinha 25 anos tinha a garantia de que teria emprego. Hoje não é assim, a não ser que se esteja filiado num partido... Não tenho discurso para a juventude. Não tenho uma verdade. Sei que se nos unirmos haverá solução e futuro.

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