sábado, 19 de outubro de 2013

MANIFESTO PELA DEMOCRACIA!


1. PARLAMENTO: A CASA DA PARTIDOCRACIA - Os portugueses não têm os direitos políticos dos outros europeus. Não podem sequer escolher o candidato em que preferem votar para os representar no parlamento. O "julgamento nas urnas" é um logro: os candidatos colocados nos primeiros lugares das listas dos maiores partidos têm garantia prévia dum lugar no parlamento. Não há julgamento sem possibilidade de penalização, mas os portugueses não têm maneira de penalizar os candidatos nos "lugares elegíveis". Não interessa se são espiões ou maçons: a sua ida para o parlamento não depende dos votantes, que apenas decidem a distribuição relativa dos 230 lugares. A raiz do problema é o voto não ser nominal (i.e., em pessoas) como no resto da Europa.

2. EM ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS NÃO HÁ VENCEDORES ANTECIPADOS - É sabido que faz parte da essência da democracia que o resultado duma eleição não possa estar decidido antes da sua realização. O sistema português não cumpre este critério. Nas eleições legislativas, há dezenas de lugares no parlamento que já estão decididos, não importa como o eleitorado vote. São os "lugares elegíveis", os primeiros lugares das listas dos maiores partidos. Garantem lugares a pessoas concretas, independentemente do seu partido "perder" ou "ganhar" as eleições. Como não existe uma relação entre o voto e a atribuição dum lugar de deputado, esses "eleitos" NÃO representam os eleitores. Seguramente representam alguém, mas não é quem vota.

3. AUSÊNCIA DE ESCRUTÍNIO ORIGINA DESGOVERNO E CORRUPÇÃO - As "listas fechadas e bloqueadas" têm muitas consequências graves para Portugal. Primeiro, os barões dos principais partidos não podem ser desalojados do parlamento pela via dos votos. Vivem numa perpétua impunidade. Mesmo quando a votação do partido está em baixa, têm muitos "lugares elegíveis" para onde se refugiar. Segundo, propicia a corrupção: os lóbis contornam o eleitorado e agem diretamente sobre os caciques parlamentares para fazer valer os seus interesses. Na prática, são os lóbis que têm representação no parlamento, não os eleitores. Terceiro, o "fosso" entre "os políticos" e o "País Real": cresce o sentimento pouco saudável de um político é, por omissão, um malfeitor.

4. IMPEDEM-NOS DE FAZER A NOSSA PARTE NA RENOVAÇÃO DOS PARTIDOS - Quarto, a ausência de voto nominal bloqueia a renovação interna dos partidos. "Renovação" é uns serem substituídos por outros. É o papel do eleitorado indicar quem vai e quem fica, através dos actos eleitorais. O natural é que novos candidatos que tenham mais votos substituam políticos menos votados e ascendam gradualmente às chefias dos partidos. Mas se o sistema eleitoral impede os eleitores de expressar preferências dentro duma lista, está a impedir o eleitorado de exercer o seu papel na renovação dos partidos. Em consequência, perpetuam-se os caciques e apenas os que têm a sua anuência sobem nas estruturas partidárias.

5. OS PARTIDOS NÃO ESCOLHEM BONS DEPUTADOS - Quinto, listas fechadas à ordenação pelos votos produzem elencos parlamentares altamente desequilibrados. A certa altura, examinaram o CV de cada deputado e constataram que nenhum tinha experiência de integrar os quadros de administração duma empresa. Os desequilíbrios são nítidos a muitos níveis, por exemplo na representação desproporcionada de maçons e juristas. Basta recordar as frequentes cenas embaraçosas envolvendo deputados. Se fossem os eleitores a ordenar as listas, os partidos estariam sujeitos à concorrência a nível dos candidatos individuais. Passariam a propor bons candidatos, pois arriscar-se-iam a perder votos para partidos com candidatos melhores.

6. LUGARES ELEGÍVEIS: ZONA DE CONFORTO DOS BOYS - Não é por acaso que os políticos nunca falam do sistema eleitoral. Não querem que os cidadãos se apercebam das diferenças em relação aos outros países e comecem a exigir mudanças na sua "zona de conforto". Livres do escrutínio, os partidos capturaram não só o sistema político, como o próprio regime e as instituições do Estado. Os problemas de excesso de peso do Estado, corrupção e desgoverno vêm todos daí. É por isso que a denúncia de actos escandalosos nunca resulta em penalização (até é recebida com indiferença!). O pior que pode acontecer a um cacique partidário é passar o mandato seguinte no parlamento. Mas o sistema não dá meios para o tirar de lá.

7. NÃO SOMOS RESPONSÁVEIS POR POLÍTICOS QUE NÃO PODEMOS ESCOLHER - Se analisarmos o sistema português, percebemos como é injusta a ideia de que os cidadãos têm culpa porque elegem os políticos. Não é verdade: os portugueses votam mas não elegem. Até são bastante exigentes, mas não dispõem quaisquer meios para impor essa exigência. O regime nega-lhes praticamente todos os direitos políticos habituais em democracia. Não podem concorrer a lugares de deputado fora dos partidos, não podem expressar preferências dentro duma lista (só votos em partidos entram nas contagens), os deputados podem indeferir qualquer petição ou iniciativa legislativas ou referendárias, etc, etc. Nem sequer podem negar o voto, quer a políticos quer a partidos.

8. QUALQUER DEMOCRACIA MODERNA TEM O VOTO NOMINAL - O sistema português é o "sistema proporcional de listas fechadas". As listas são "fechadas" porque a ordem pela qual os lugares são distribuídos é a IMPOSTA pelo partido. Naturalmente, os políticos evitam esta designação, preferindo "sistema representativo" - mais outro logro. Na Europa, quase só é usado na Albânia, Ucrânia e Rússia (e Itália, nas eleições nacionais). Existe um sistema "parecido" - listas "abertas" - em que a ordem das listas é em função de quem tem mais votos. São muitos os países europeus que o usam, incluindo a Itália nas eleições municipais, regionais e europeias, mas também Áustria, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Finlândia, Noruega, Suíça, Suécia, etc.

9. NÃO HÁ BONS ARGUMENTOS CONTRA LISTAS ELEITORAIS ABERTAS - Não é possível desbloquear a partidocracia sem introduzir o voto nominal. Para não haver "pretextos" contra a reforma, é essencial que esta seja simples e pacífica. Uma hipótese realista é o sistema PASSAR DE LISTAS FECHADAS PARA LISTAS ABERTAS. As listas são incluídas no boletim de voto para os eleitores as ordenarem em função de quem tem mais votos - ditos "preferenciais". Nenhum candidato tem garantia prévia de ser eleito: passa a haver escrutínio. Se o voto contar também como um voto na lista, nada mais tem de mudar: nem o método que converte votos em mandatos (D'Hondt), nem os actuais círculos eleitorais.
 Luís Passos