1. PARLAMENTO: A CASA DA PARTIDOCRACIA - Os portugueses não têm os
direitos políticos dos outros europeus. Não podem sequer escolher o
candidato em que preferem votar para os representar no parlamento. O
"julgamento nas urnas" é um logro: os candidatos colocados nos primeiros
lugares das listas dos maiores partidos têm garantia prévia dum lugar
no parlamento. Não há julgamento sem possibilidade de penalização, mas
os portugueses não têm maneira de penalizar os candidatos nos "lugares
elegíveis". Não interessa se são espiões ou maçons: a sua ida para o
parlamento não depende dos votantes, que apenas decidem a distribuição
relativa dos 230 lugares. A raiz do problema é o voto não ser nominal
(i.e., em pessoas) como no resto da Europa.
2. EM ELEIÇÕES
DEMOCRÁTICAS NÃO HÁ VENCEDORES ANTECIPADOS - É sabido que faz parte da
essência da democracia que o resultado duma eleição não possa estar
decidido antes da sua realização. O sistema português não cumpre este
critério. Nas eleições legislativas, há dezenas de lugares no parlamento
que já estão decididos, não importa como o eleitorado vote. São os
"lugares elegíveis", os primeiros lugares das listas dos maiores
partidos. Garantem lugares a pessoas concretas, independentemente do seu
partido "perder" ou "ganhar" as eleições. Como não existe uma relação
entre o voto e a atribuição dum lugar de deputado, esses "eleitos" NÃO
representam os eleitores. Seguramente representam alguém, mas não é quem
vota.
3. AUSÊNCIA DE ESCRUTÍNIO ORIGINA DESGOVERNO E CORRUPÇÃO
- As "listas fechadas e bloqueadas" têm muitas consequências graves
para Portugal. Primeiro, os barões dos principais partidos não podem ser
desalojados do parlamento pela via dos votos. Vivem numa perpétua
impunidade. Mesmo quando a votação do partido está em baixa, têm muitos
"lugares elegíveis" para onde se refugiar. Segundo, propicia a
corrupção: os lóbis contornam o eleitorado e agem diretamente sobre os
caciques parlamentares para fazer valer os seus interesses. Na prática,
são os lóbis que têm representação no parlamento, não os eleitores.
Terceiro, o "fosso" entre "os políticos" e o "País Real": cresce o
sentimento pouco saudável de um político é, por omissão, um malfeitor.
4. IMPEDEM-NOS DE FAZER A NOSSA PARTE NA RENOVAÇÃO DOS PARTIDOS -
Quarto, a ausência de voto nominal bloqueia a renovação interna dos
partidos. "Renovação" é uns serem substituídos por outros. É o papel do
eleitorado indicar quem vai e quem fica, através dos actos eleitorais. O
natural é que novos candidatos que tenham mais votos substituam
políticos menos votados e ascendam gradualmente às chefias dos partidos.
Mas se o sistema eleitoral impede os eleitores de expressar
preferências dentro duma lista, está a impedir o eleitorado de exercer o
seu papel na renovação dos partidos. Em consequência, perpetuam-se os
caciques e apenas os que têm a sua anuência sobem nas estruturas
partidárias.
5. OS PARTIDOS NÃO ESCOLHEM BONS DEPUTADOS -
Quinto, listas fechadas à ordenação pelos votos produzem elencos
parlamentares altamente desequilibrados. A certa altura, examinaram o CV
de cada deputado e constataram que nenhum tinha experiência de integrar
os quadros de administração duma empresa. Os desequilíbrios são nítidos
a muitos níveis, por exemplo na representação desproporcionada de
maçons e juristas. Basta recordar as frequentes cenas embaraçosas
envolvendo deputados. Se fossem os eleitores a ordenar as listas, os
partidos estariam sujeitos à concorrência a nível dos candidatos
individuais. Passariam a propor bons candidatos, pois arriscar-se-iam a
perder votos para partidos com candidatos melhores.
6. LUGARES
ELEGÍVEIS: ZONA DE CONFORTO DOS BOYS - Não é por acaso que os políticos
nunca falam do sistema eleitoral. Não querem que os cidadãos se
apercebam das diferenças em relação aos outros países e comecem a exigir
mudanças na sua "zona de conforto". Livres do escrutínio, os partidos
capturaram não só o sistema político, como o próprio regime e as
instituições do Estado. Os problemas de excesso de peso do Estado,
corrupção e desgoverno vêm todos daí. É por isso que a denúncia de actos
escandalosos nunca resulta em penalização (até é recebida com
indiferença!). O pior que pode acontecer a um cacique partidário é
passar o mandato seguinte no parlamento. Mas o sistema não dá meios para
o tirar de lá.
7. NÃO SOMOS RESPONSÁVEIS POR POLÍTICOS QUE NÃO
PODEMOS ESCOLHER - Se analisarmos o sistema português, percebemos como é
injusta a ideia de que os cidadãos têm culpa porque elegem os
políticos. Não é verdade: os portugueses votam mas não elegem. Até são
bastante exigentes, mas não dispõem quaisquer meios para impor essa
exigência. O regime nega-lhes praticamente todos os direitos políticos
habituais em democracia. Não podem concorrer a lugares de deputado fora
dos partidos, não podem expressar preferências dentro duma lista (só
votos em partidos entram nas contagens), os deputados podem indeferir
qualquer petição ou iniciativa legislativas ou referendárias, etc, etc.
Nem sequer podem negar o voto, quer a políticos quer a partidos.
8. QUALQUER DEMOCRACIA MODERNA TEM O VOTO NOMINAL - O sistema português
é o "sistema proporcional de listas fechadas". As listas são "fechadas"
porque a ordem pela qual os lugares são distribuídos é a IMPOSTA pelo
partido. Naturalmente, os políticos evitam esta designação, preferindo
"sistema representativo" - mais outro logro. Na Europa, quase só é usado
na Albânia, Ucrânia e Rússia (e Itália, nas eleições nacionais). Existe
um sistema "parecido" - listas "abertas" - em que a ordem das listas é
em função de quem tem mais votos. São muitos os países europeus que o
usam, incluindo a Itália nas eleições municipais, regionais e europeias,
mas também Áustria, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Finlândia, Noruega,
Suíça, Suécia, etc.
9. NÃO HÁ BONS ARGUMENTOS CONTRA LISTAS
ELEITORAIS ABERTAS - Não é possível desbloquear a partidocracia sem
introduzir o voto nominal. Para não haver "pretextos" contra a reforma, é
essencial que esta seja simples e pacífica. Uma hipótese realista é o
sistema PASSAR DE LISTAS FECHADAS PARA LISTAS ABERTAS. As listas são
incluídas no boletim de voto para os eleitores as ordenarem em função de
quem tem mais votos - ditos "preferenciais". Nenhum candidato tem
garantia prévia de ser eleito: passa a haver escrutínio. Se o voto
contar também como um voto na lista, nada mais tem de mudar: nem o
método que converte votos em mandatos (D'Hondt), nem os actuais círculos
eleitorais.
Luís Passos